terça-feira, dezembro 27, 2016

Textos & Contextos - Tempo, Trabalho

Tenho por hábito ler "qualquer coisita" (um artigo atrasado, as páginas de um livro) antes de apagar a luz e de fechar os olhos.
Ontem, calhou ser uma "opinião" do jornalista António Guerreiro, no Público de 23 de Dezembro. Estava de reserva porque são opiniões que prezo, porque o tema colocado em título "Trabalho, tempo, dinheiro" é desafiador de mim.



De manhã, tenho por hábito começar por ler o que me possa actualizar enquanto pequeno almoço. Não há dúvida que o homem é um animal de hábitos (... o homem e a mulher, respinga a companheira... e, retroco eu, o gato que nos acompanha...). 
O facto, talvez relevante, é que, na prática desse hábito nesta manhã, tropecei num Expresso curto, servido pelo Director-Adjunto João Vieira Pereira, em que ele nos pergunta (?), exclamativo (!), "E não é que em 2017 vamos trabalhar menos?", g(l)osando tema que, depois, voltei a encontrar em outras fontes.
Dois comentários adrede:
1. A opinião de António Guerreiro me convoca-me a debate que iria muito para além deste espaço, e aqui apenas deixo a (minha) opinião de que a de AG sofre a abusiva intrusão do dinheiro, intrusão que em tudo desvirtua conceitos básicos, conceitos que sem ele nasceram e bem viveriam. 
Foi pelo trabalho (como eu o entendo) que o ser humano se foi libertando da condição animal para ganhar condição humana (e sujeições derivadas); é o tempo que vive o humano, e como o vive, que o define como ser humano. Ora, no seu percurso, o humano arranjou um meio para servir de intermediário nas suas humanas relações, o dinheiro, e este veio - e está progressivamente a - deshumanizá-lo ao transformar em mercadoria-coisa a força de trabalho, coisa essa que é o tempo de uso da capacidade de transformar e de criar que o humano tem em si. Citaria Marx (e Engels), e um dos seus erros, depois corrigido. Mas,no entanto, citações ainda menos serão para este espaço, apenas me parecendo que a referência de AG a Proust serve para ilustrar como o dinheiro é perverso ao insinuar-se no tempo como sendo este gasto (na sua acepção de custo monetário) quando deveria ser, sempre, na de tempo perdido, se como de uso de mercadoria for.
2. Mas tempo perdido é o tempo não usado, dispendido, não vivido como livre, como opção humana, individualmente, e também, e sobretudo, vivido colectivamente como animal social que somos. Por isso, o "Expresso curto" de JVP, no estilo irónico-sobranceiro que caracteriza tantos dos "seus", provoca-me rejeição ao tratar um tema muito sério de forma jocosa, apenas revelando desrespeito pelos trabalhadores, trabalhadores que parecem incapazes de verem senão como peças de uma engrenagem (escreveu Soeiro Pereira Gomes...), como outros de que outros usariam tempo de força de trabalho, mercadoria ao menor preço possível pelo maior tempo que se retiraria, perdido, do seu tempo livre.