quarta-feira, abril 15, 2015

Palavras com sentido - utente

Quando, aqui há quase uma semana, se começou esta série de palavras com sentido, a propósito da questão das palavras  que, aparentemente - e muitas vezes para uso perverso -, parece quererem dizer o mesmo, começou-se por enunciar cinco - cidadão, eleitor, utente, cliente, contribuinte - e intentou-se começar por arrumá-las, sucinta e sucessivamente. 
Duas já o estarão - cidadão e eleitor -, embora a primeira venha a estar sempre presente, até pela razão de ser desta série, ligada ao convívio semanal na Universidade Sénior de Ourém à volta do tema cidadania.
Será agora a altura de tratar da palavra utente, tantas vezes usada, nos últimos tempos, como subsituta de cidadão. O que, de certo modo, se justifica se se ligar o seu significado etimológico a serviços públicos. Isso o diz, na sua redundância, o dicionário: "(do Lat.,utente) adj. e s. 2 gén, que ou aquele que usa, diz-se daquele que usa bens ou serviços públicos" ou "(latim utens, -entis) adjectivo de dois géneros e substantivo de dois géneros Que ou aquele que usa ou que tem o direito de usarr".

Ora aqui está. Não há utente sem que haja direito de usar, e só se pode materializar esse direito de usar desde que haja serviços públicos, isto é, para o cidadão utente ou para o utente cidadão. E que direitos são esses?
A Constituição é que tem a resposta:
Título II - Direitos, liberdades e garantias

Capítulo I - Direitos, liberdades e garantias pessoais
Artigo 24.º - Direito à vida Artigo 25.º - Direito à integridade pessoal Artigo 26.º - Outros direitos pessoais Artigo 27.º - Direito à liberdade e à segurança Artigo 28.º - Prisão preventiva Artigo 29.º - Aplicação da lei criminal Artigo 30.º - Limites das penas e das medidas de segurança Artigo 31.º - Habeas corpus Artigo 32.º - Garantias de processo criminal Artigo 33.º - Expulsão, extradição e direito de asilo Artigo 34.º - Inviolabilidade do domicílio e da correspondência Artigo 35.º - Utilização da informática Artigo 36.º - Família, casamento e filiação Artigo 37.º - Liberdade de expressão e informação Artigo 38º - Liberdade de imprensa e meios de comunicação social Artigo 39.º - Regulação da comunicação social Artigo 40.º - Direitos de antena, de resposta e de réplica política Artigo 41.º - Liberdade de consciência, de religião e de culto
 Artigo 42.º - Liberdade de criação cultural Artigo 43.º - Liberdade de aprender e ensinar Artigo 44.º - Direito de deslocação e de emigração Artigo 45.º - Direito de reunião e de manifestação Artigo 46.º - Liberdade de associação Artigo 47.º - Liberdade de escolha de profissão e acesso à função pública



Título III - Direitos e deveres económicos, sociais e culturais

Capítulo III - Direitos e deveres culturais
Artigo 73.º - Educação, cultura e ciência Artigo 74.º - Ensino Artigo 75.º - Ensino público, particular e cooperativo Artigo 76.º - Universidade e acesso ao ensino superior Artigo 77.º - Participação democrática no ensino Artigo 78.º - Fruição e criação cultural Artigo 79.º - Cultura física e desporto

É para o uso destes direitos que o Estado se tem de organizar, de criar os seus serviços públicos. Por via do uso do direito dos cidadãos a participarem na vida pública, enquanto cidadãos. E participar na vida pública nunca se pode reduzir à escolha de quem represente os cidadãos, e faça por eles alheios à sua participação. 
Enquanto cidadãos, os utentes dos serviços públicos nunca se poderão confundir com "clientes" de "sistemas" que possibilitam o acesso ao uso mediante condições do que são direitos cidadãos (universais) de usar.
Haveria muito mais (e decerto melhor) para dizer. Mas ficam pistas. De reflexão.

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