segunda-feira, dezembro 14, 2009

Excertos de cartas de um certo Carlos, alemão, a um tal Frederico, "inglês", e a outros amigos (alguns nem por isso...) - 8

A Kugelmann (um tal Luís, médico – ginecologista –, e amigo do remetente Carlos)

23 de Agosto de 1866

Meu caro amigo,
Deves estar, e com razão, zangado com o meu prolongado silêncio, apesar das tuas numerosas e amigas comunicações. Contudo, terás de me desculpar, tendo em conta as circunstâncias extraordinárias nas quais me encontro.
Em conseqüência da minha longa enfermidade, a minha situação económica atingiu um ponto crítico. Acumulei dívidas, que são uma carga mental esmagadora e me tornam incapaz de qualquer actividade outra além do trabalho no qual estou imerso. Caso não consiga um empréstimo de no mínimo 1.000 thalers, digamos a 5%, realmente não vejo saída. E apesar das numerosas cartas de recomendação que recebi da Alemanha, não sei para onde me voltar. Somente posso aceitar ajuda de amigos próximos, nada público. Perceberás que em tais condições escrever cartas se torna difícil.
Ainda não consegui restabelecer meus antigos contactos proveitosos com a América. Eles estão tão comprometidos com o seu próprio movimento, que consideram qualquer gasto com correspondência para a Europa como faux frais de production[1]. Eu poderia ajudá-los emigrando para lá. Mas considero que o meu dever é continuar na Europa, e completar o trabalho com o qual me responsabilizei há tantos anos[2].
No que respeita a este trabalho, penso que não serei capaz de entregar o manuscrito do primeiro volume (agora cresceu para três volumes) em Hamburgo antes de Outubro. Só consigo trabalhar de maneira produtiva algumas poucas horas por dia sem imediatamente sentir os efeitos fisicamente e, para o bem de minha família, suponho que devo, embora a contragosto, observar as precauções de saúde até que esteja completamente recuperado. Além disso, o meu trabalho é constantemente interrompido por circunstâncias externas adversas.
Embora esteja dedicando muito tempo à preparação para o congresso em Genebra, não posso ir lá, nem mesmo desejo ir, porque meu trabalho não pode ficar sujeito a prolongada interrupção. Considero o que estou a fazer por meio desde trabalho muito mais importante para a classe operário que qualquer coisa que eu possa fazer pessoalmente em qualquer congrès quelconque[3].
Considero a situação internacional na Europa só temporária. Quanto à Alemanha em particular, temos que tomar as coisas como as encontramos, ou seja, promover os interesses da revolução de modo apropriado às novas condições. Relativamente à Prússia, é mais importante do que nunca observar e denunciar suas relações com a Rússia.
Teu muito sincero amigo,
K. Marx

[1] e [3] - em francês no texto oeiginal
[2] - Trata-se de O Capital



11 de Julho de 1868


(…) As leis naturais nunca podem ser abolidas. Apenas a forma tomada por essas leis é susceptível de modificações em determinadas situações históricas…
O verdadeiro método científico consiste em mostrar como se manifesta a lei do valor. Se, assim, se começa por “explicar” todos os fenómenos na aparência contrários à lei, seria necessário dispor da ciência antes da ciência. É precisamente esse o erro de Ricardo: no seu primeiro capítulo sobre o valor, ele pressupõe já dadas todas as categorias que se trata precisamente de explicar antes de mostrar que elas são regidas pela lei do valor…
O processo do pensamento é um processo natural que em si mesmo depende das condições. Por consequência, o pensamento que descobre o real não se pode diferenciar, a não ser gradualmente, seguindo o desenvolvimento do real e o do cérebro.
A economia vulgar não suspeita, por nada deste mundo, que as condições quotidianas da troca não são o reflexo directo do valor. Na sociedade burguesa, não há nenhuma regulamentação consciente, social, prévia à produção. A racionalidade - e a sua necessidade apenas se impõe cegamente - toma a forma de uma média estatística. E é aí, precisamente, que está a ironia desta sociedade. O economista vulgar julga ter feito uma grande descoberta quando entrevê as conexões reais e que a aparência difere da realidade. O seu espanto não tem limites. De facto, toma as aparências como a última realidade, e não consegue sair daí. Nestas condições, para que serve a ciência?...
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Dito de outra maneira (ou como já vi traduzido): se a realidade fosse igual à sua aparência para que serviria a ciência?

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