domingo, julho 26, 2009

O que é que não é aqui?!

Sempre que me lembro das Honduras de hoje (e tantas vezes é), e me lembro do Chile de há quase 40 anos, e do Brasil, e da Argentina, e de, e de... apetece-me ouvir o Caetano Veloso e o Gilberto Gil e fazer coro com o Haiti é aqui!, o Haiti não é aqui!





Arrepia-me...

Haiti

Caetano Veloso
Composição: Caetano Veloso e Gilberto Gil

Quando você for convidado pra subir no adro
Da fundação casa de Jorge Amado
Pra ver do alto a fila de soldados, quase todos pretos
Dando porrada na nuca de malandros pretos
De ladrões mulatos e outros quase brancos
Tratados como pretos
Só pra mostrar aos outros quase pretos
(E são quase todos pretos)
E aos quase brancos pobres como pretos
Como é que pretos, pobres e mulatos
E quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados
E não importa se os olhos do mundo inteiro
Possam estar por um momento voltados para o largo
Onde os escravos eram castigados
E hoje um batuque um batuque
Com a pureza de meninos uniformizados de escola secundária
Em dia de parada
E a grandeza épica de um povo em formação
Nos atrai, nos deslumbra e estimula
Não importa nada:
Nem o traço do sobrado
Nem a lente do fantástico,
Nem o disco de Paul Simon
Ninguém, ninguém é cidadão
Se você for a festa do pelô(*), e se você não for
Pense no Haiti, reze pelo Haiti
O Haiti é aqui
O Haiti não é aqui
E na TV se você vir um deputado em pânico mal dissimulado
Diante de qualquer, mas qualquer mesmo, qualquer, qualquer
Plano de educação que pareça fácil
Que pareça fácil e rápido
E vá representar uma ameaça de democratização
Do ensino do primeiro grau
E se esse mesmo deputado defender a adoção da pena capital
E o venerável cardeal disser que vê tanto espírito no feto
E nenhum no marginal
E se, ao furar o sinal, o velho sinal vermelho habitual
Notar um homem mijando na esquina da rua sobre um saco
Brilhante de lixo do Leblon
E quando ouvir o silêncio sorridente de São Paulo
Diante da chacina
111 presos indefesos, mas presos são quase todos pretos
Ou quase pretos, ou quase brancos quase pretos de tão pobres
E pobres são como podres e todos sabem como se tratam os pretos
E quando você for dar uma volta no Caribe
E quando for trepar sem camisinha
E apresentar sua participação inteligente no bloqueio a Cuba
Pense no Haiti, reze pelo Haiti
O Haiti é aqui
O Haiti não é aqui.



____________________
(*) - Largo do Pelourinho , em S. Salvador da Baía

6 comentários:

Anónimo disse...

Há coincidências giras.
Estava eu a ver a Telesur e, indignada pelo assassinato, depois de torturado,de um jovem hondurenho, resolvi vir à net.
Ao abrir o blogue do anónimo encontro este poema, esta canção de dois grandes artistas que tão bem souberam transmitir a revolta perante a injustiça e a barbárie.
Obrigada Sérgio.

Campaniça

Maria disse...

O poema arrepia, sim. A realidade dos dias de hoje ainda mais...

Beijo

Graciete Rietsch disse...

Que bom ter-me metido nestas andanças da computação apesar dos meus 77 anos. O que eu tenho aprendido o que eu me tenho maravilhado mas tambem arrepiado embora para isso seja suficiente um olhar através do mundo em que vivemos. Obrigada camarada.

Sérgio Ribeiro disse...

Porque Haiti é aqui, também a luta, também a confiança na luta, também a amizade e a solidariedade é aqui. E aqui estamos e somos.
Que bom ler estes três comentários!
Obrigado, amigas e camaradas.

samuel disse...

Uma daquelas canções a que é impossível ficar indiferente...
Tremenda!

Abraço.

Justine disse...

E o Haiti continua a ser aqui, cada vez mais aqui...