sábado, janeiro 14, 2006

O que não mudou - 3

No que os meus olhos viram e os meus sentidos apreenderam, há quase 50 anos e agora, não mudou o povo. Não mudou este povo de escravos libertos, de contratados e filhos de contratados que era e é o povo de S. Tomé e Príncipe. Sobretudo, não mudaram as crianças. Muito vivas, alegres, futuro.

"... a razão de ser da nossa luta."

Amilcar Cabral




Olho as crianças
que para mim correm e abrem braços e risos.

Vejo as crianças
com os meus olhos cheios de passado e recordações.

Vejo-as leves leves
gráceis
futuro

Olho-as nos olhos vivos vivos
negros
promessas

Vejo-as com os dentes brancos brancos
alegria
(só)risos

Os meus dedos procuram as carapinhas
espessas
acolhedoras

Admiro-lhes a pela morena
quente
tensa

(Pressinto, nelas, os seios que ganham forma
que despontam.
Pressinto, nelas, as curvas suaves,
lentas
Vejo, nelas, as meninas… logo logo mães!)


E comovo-me!
E os meus olhos vêem o que não queriam ver.


Porque vejo o que fizemos
e fazemos (nós!) do futuro
das promessas.


Tão depressa envelhecem as crianças
leves, gráceis,
de olhos vivos, negros,
com dentes brancos, alegria e riso,
de pele morena, quente,
cabelos carapinha onde se perdem meus dedos.
Tão depressa envelhecem as crianças
e tão jovens em-velhas-ficam,
tão de repente perdem o viço
e tão rápido imitam vícios.
Tão de súbito murcham!

(Nelas, os seios caem,
pendentes.
Nelas, as curvas ficam frouxas
peles que foram pele quente, tensa.
Nelas, pesa uma ainda-não-criança nas costas
e uma outra na barriga:
três crianças que não o serão
envoltas num mesmo pano!)

Tão a fugir por estas crianças passa o tempo
que nem tempo para começar a viver têm.

7 comentários:

Anónimo disse...

São crianças lindas!
Olhar curioso e expressivo, um sorriso aberto e a cor de chocolate quente!

Belíssimo poema! Comovente!
______

Sérgio,
(Duas palavras que cheguei agora).
Não posso deixar de te dar os parabéns!
No grande Comício de ontem, onde estavam muito mais de trinta (!) mil pessoas,
evocaram o nome de dois grandes economistas, Carlos Carvalhas e Sérgio Ribeiro!
Em uníssono, sessenta mil mãos, batendo palmas de alegria e orgulho!
Trinta mil vozes, entoando concordância!
Logo depois, chamaram os mandatários! Quando o Sérgio subiu ao palco gritei pelo seu nome, (ao mesmo tempo ouvi a repetição) outras vozes! Acreditem não era o meu eco!
Não foi um Comício foi uma Festa!
Jerónimo, estava feliz e emocionado!
Diz lá Sérgio, como foi bonito!
São estes momentos que nos fazem dizer e sentir que
A LUTA CONTINUA!
VALE A PENA LUTAR!

GR

Sérgio Ribeiro disse...

Obrigado, Guida
Um dia de emoções. Foi tão bonito!
Vê lá tu que de manhã estive no Entroncamente, numa acção da tarefa de mandatário, e ainda tive de vir, acelerador a fundo, para acompanhar o "meu" Juventude Ouriense, que ganhou 8-1 ao Marinhense... e no sábado vai a Espinho. E sabes que o Mário Nogueira, o "nosso" mandatário é o dirigente hoquista da AACoimbra?
A luta continua contínua, em todas as frentes em que haja gente. Gente como nós, igual a nós. Igual ao Jerónimo, que é igual a nós, a gente como nós.
Beijos
Sérgio

Nuno Abreu disse...

Há textos que nos preenchem a alma.
Este é um deles.
Além de tudo, nele leio a alma da pessoa que o escreveu.
Pessoa que admiro.
Cada vez mais.

Elvira disse...

Que sorrisos bonitos ! :-)

Anónimo disse...

O riso de uma criança. Há coisas no mundo por que vale a pena lutar. Vale a pena este texto do Sérgio e vale a pena o nosso tempo quando pegamos nele e o tranformamos no riso de uma criança.

Anónimo disse...

Concordo com a "na". A cada dia que passa compreendo melhor porque é que alguém um dia foi chamado de "artista". Leio os textos (ou a alma) e porque são dele os textos e a alma também eu lhe chamo "artista".

Sérgio Ribeiro disse...

Essa estória do "artista" toca-me muito cá dentro. Dá-me uma enorme alegria e uma grande angústia. Sobretudo pela impotência de, a curto prazo, ajudar a fazer das crianças os homens e mulheres que mereciam (e podiam!) ser.
Tem de ser contada. Fica para logo.
E obrigado, meus amigos... pela amizade.